sexta-feira, novembro 24, 2006

Calça social e tênis

Cabelos grisalhos. Olhos marcados pelos anos, mas vivos como os de uma criança. Uma voz doce que, ao mesmo tempo em que passa a sabedoria que a vida dá, convida, tal qual um contador de histórias, a permanecer atento a cada palavra, a cada pensamento.
Poderia ser apenas um senhor qualquer, um professor querido pela forma com que trata cada assunto, com que olha cada aluno; mas havia algo mais. Alguma coisa que me prendia àquela figura, uma sensação magnética.
Os pés. Não, não sou podófila. Era o que vestia os pés que me chamou a atenção, um par de tênis. Pode parecer bobagem, mas não há nada mais gracioso que a combinação feita pelos nossos velhinhos deste artigo “esportivo” com as formais calças sociais.
Uma figura única. Cheia de significados e que atende pelo nome de Cyl Gallindo; muitos podem não conhecer, mas se trata de um jornalista-poeta do Recife que, alguns anos atrás, após uma conversa amistosa, fez confirmar em uma jovem adolescente a paixão pela profissão que lida com as palavras, com o público.
Tudo começou numa caminhada rua abaixo após a aula do referido professor. Eu, minha irmã e uma amiga rumávamos para o centro da cidade quando vimos uma pessoa conhecida à nossa frente. Aqueles tênis!
Naquela euforia juvenil, mistura de curiosidade e medo, resolvemos enfim abordá-lo para um “papo”; algo que fizesse crescer ainda mais a admiração que sentíamos por ele.
Para nossa felicidade, a recepção àquele inusitado encontro não poderia ser melhor. O gentil professor alegrou-se com o reconhecimento e convidou-nos para um sorvete.
A sorveteria, a mais popular da cidade, com grandes janelas, mesinhas quadradas com cadeiras, um aquário e um freezer de exposição de sorvetes em formato de “L”, que exibia uma gama deliciosa de sabores, coberturas e condimentos, foi o cenário perfeito para aquela conversa entre “recém-amigos”.
No início fomos todos nos servir da sobremesa gelada, um ótimo pedido para um dia tão quente. Porém, no momento em que fomos pagar, Cyl irritou-se, dizendo que ele havia convidado e por isso, como todo bom cavalheiro, pagaria os gelatos.
Todos a postos com seus respectivos sorvetes, começamos o nosso “papo”. Primeiro o mestre estava curioso para saber como encarávamos sua aula, se estava satisfatória, se tínhamos queixas. Logo após perguntou-nos o porquê de participarmos daquela maratona de conhecimento e de como era a vida em São José do Rio Pardo (SP).
Feitas as devidas apresentações, tanto nossas como a dele, também nos incumbimos de alvejá-lo de perguntas sobre sua vida, profissão e sobre “sua Recife”, que descobrimos ser, segundo ele, uma linda cidade.
Naquele clima de amizade, risadas e boas histórias, resolvi contar a ele minha intenção de seguir o jornalismo, profissão pela qual ele nutre imensa paixão, e à qual dedicou sua vida: às palavras e às pessoas.
Muito me alegrou a descoberta da felicidade que essa revelação proporcionou a ele. Meu futuro colega. Que, de imediato, tratou de incentivar-me ao máximo a seguir meu sonho profissional, a lançar-me de cabeça nessa “aventura”. Era a confirmação de que eu precisava. Segui em frente.
Infelizmente perdemos contato. Mas hoje, já na universidade, resolvi procurar meu “velho amigo” e não amigo velho, já que sua alma de poeta é como a das crianças. Via internet consegui um contato, um e-mail. Contente com a possibilidade de ter notícias de Cyl Gallindo novamente, escrevi a ele, sem esperar resposta.
A resposta veio. Rapidamente e inesperadamente. Agora o contato será constante, e querido por ambos. Existem pessoas que marcam nossas vidas para o bem; Cyl é uma delas.

domingo, novembro 05, 2006

Quem dera...

Quem dera poder multiplicar-me, viver duas vidas em mundos distintos, mundos amados e saudosos...
Pena não ser possível, mas pior que se sentir longe do lar, do lugar onde significo algo, lugar onde, penso eu, existe um espacinho reservado, um espacinho ínfimo, pequeno mesmo, mas que fosse meu, que eu considerasse meu, que eu sentisse ser meu.
Sempre achei que meu nome foi muito bem dado, "estranha, estrangeira", é isso que ele significa e como me sinto, ainda mais agora.
Um grupo, um clã, uma turma, chame como quiser, mas nunca me senti 100% parte de nada.
Longe, assim, perco os bons momentos, os mais importantes, os mais rotineiros...
Pode parecer bobagem, mas o simples ato de abraçar e ser abraçado, sem nada dizer, apenas sentindo... tal lembrança traz as lágrimas aos meus olhos...
Lágrimas que, ultimamente, insistem em correr, livremente, por um rosto (des)conhecido.
A fala não mais desenrola-se com entusiasmo, com alegria e risos soltos, sem significação...
Os olhos, cada vez menos, conseguem ler o interior...as portas se fecharam...
Palavras não mais significam sentimentos, indignações, são apenas palavras, que tentam chegar a um estágio de satisfação, muitas vezes não alcançado...
Metamorfose. Dolorosa. Lenta.
Só espero que no fim de tanto auto-(des)conhecimento, nasça algo novo, tal como uma bela borboleta, que com suas asas, pode voar e encontrar o que ou os que procura.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Vazio

Não adianta mais.
A inspiração se foi. A segurança, o amor próprio, o sentimento de que algo bom e novo pudesse nascer de mim, algo vindo das profundezas da mente, combinado com a sensibilidade ( que sensibilidade? a perdi) vinda do coração...
Um texto que me complementasse, que fosse mais uma peça desse intrincado quebra-cabeças que sou, palavras que traduzissem o que só eu sei e sinto, mas que ao mesmo tempo a mim é estranho, aterrador.
Como vencer o bloqueio, quem o criou? Será que eu mesma aprisionei meu ímpeto criador, eu mesma me auto-censurei, ou foram as regras...
Por que tantas regras? Elas só servem para imobilizar a criação, para roubar dela sua coragem avassaladora, sua verdade límpida, sua força inata...
Sim, perdi...
E o vazio dói dentro do peito, e a fala mesmo, antes eloqüente, segura; se tornou uma sucessão de interrogações, de incertezas.
Enjaulou-se o animal, que ao invés de lutar para se safar, conformou-se ou cansou-se...
Não sei se há esperança.
Sigo acreditando, pois se me forem roubados o otimismo e a fé, sobra apenas o corpo inerte, a casa, sem ter quem a habite, vazia.