quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Livro didático deve ser crítico? (novembro/2007)

Ao relatarmos a perseguição a um escritor ou obra literária logo associamos a prática ao período em que a Igreja Católica, tendo o Tribunal da Santa Inquisição como braço armado, confiscou e queimou livros, matando não só os pensamentos e ideais de seus autores, como eles próprios.
Porém, o caso a que nos referimos é mais recente e notório. Não tomou proporções extremadas, mas causou polêmicas discussões em torno de um inofensivo livro didático.

A coleção Nova História Crítica do historiador Mario Schmidt foi uma constante nos jornais e revistas brasileiros. Reportagens o acusam de disseminar a ideologia comunista pelas escolas brasileiras. A coleção é umas das 53 excluídas na última avaliação do Ministério da Educação (MEC).

Esse episódio passaria despercebido se o livro não fosse um dos preferidos na indicação dos professores brasileiros para integrar o Plano Nacional do Livro Didático (PNDL). Devido a isso, levanta-se a questão: o que o MEC espera dos livros que distribuirá a todas as escolas primárias de ensino público do país? Existe um direcionamento “certo” a seguir?

O estopim da polêmica reside em uma leitura e interpretação equivocada e tendenciosa do livro, acusado de ideológico. Frases descontextualizadas foram utilizadas como prova da inclinação socialista do livro e os críticos apontaram como exemplo de esquerdismo um quadro comparativo entre o capitalismo e o “ideal” marxista, no qual a coluna que apresenta os problemas do socialismo real na obra de Schmidt é suprimida. Um erro primário e pretensioso.

A coleção de livros de Schmidt tem na visão crítica da História sua pedra de torque. Todavia, não se enganem ao pensar que se trata de uma narrativa histórica perfeita, um exemplar único. Pelo contrário, apresenta seus erros e deslizes como qualquer outro, mas nada que justifique tal atitude censora e persecutória ao volume e a seu autor.

A equipe do Cotidiano tentou entrar em contato com Schmidt para que ele pudesse relatar a experiência, contudo sem sucesso, já que o historiador retirou qualquer endereço eletrônico ou telefone da internet e tanto a editora quanto revistas e jornais que escreveram sobre ele não forneceram.

Devemos manter livros didáticos ultrapassados como “guias” dos alunos brasileiros apenas devido a um ponto de vista distorcido dos que estão no poder e temem que chegue ao povo uma versão crítica da História?

Para saber mais sobre a polêmica, leia a matéria de capa da revista Carta Capital do dia 3 de setembro no endereço:http://www.cartacapital.com.br/2007/09/464/a-historia-como-ela-e/?searchterm=mario%20schmidt

A história da destruição dos livros (novembro/2007)

Neste momento, enquanto você lê essas linhas, pelo menos, um livro está desaparecendo para sempre. A morte de uma obra literária é uma regressão, um retrocesso, já que com ela se vão ideais, pensamentos, sentimentos, conhecimento e até sonhos.

O que faz uma pessoa destruir um livro? Queimá-lo, rasgá-lo ou mesmo rasurar suas páginas? Essas perguntas, com certeza, permearam os pensamentos do escritor venezuelano Fernando Báez. O interesse pelos volumes destruídos ou perdidos remonta de sua infância, desde os cinco anos de idade os livros eram seus únicos amigos. Báez freqüentava a biblioteca pública de sua cidade, São Félix, que infelizmente foi destruída numa inundação do Rio Caroni. O garoto perdeu seu porto seguro, seus amigos.

Para escrever a História universal da destruição dos livros, o autor realizou uma extensa pesquisa bibliográfica. Foram doze anos estudando os casos mais célebres de destruição de bibliotecas por causas naturais ou humanas. Desde a maior biblioteca do mundo, a impressionante Alexandria, passando pela censura dos inquisitores católicos, para a grande queima de 1933, na Alemanha pelos nazistas, até a recente tragédia que atingiu o Iraque, o primeiro memoricídio do século XXI.

Baéz nos convida a viajar com ele através dos séculos e eras ao encontro das catástrofes naturais e humanas que dizimaram não só milhões de pessoas, mas também milhões ou, talvez, bilhões de livros. São mais de sete mil anos de histórias e números que assombram por sua magnitude e concretude.

A queima de exemplares é o modo mais comum da destruição de milhares de bibliotecas em todo o mundo ao longo dos tempos. Para os guerreiros antigos, queimar a biblioteca do inimigo era a consagração de sua vitória. Para as mitologias antigas, períodos de destruição e criação eram as únicas alternativas do universo: destruir o passado para assim renovar o presente. Parece que a antigüidade está mais presente hoje do que antes.

A destruição voluntária causou o desaparecimento de 60% dos volumes. Fora aqueles que foram destruídos por não serem publicados. O número de livros perdidos e destruídos é incalculável, já que existem registros apenas das grandes destruições relacionadas a bibliotecas que possuíam catálogo de tomos. Quanto à perda relacionada a coleções particulares ou que não possuíam catalogação não é possível mensurar, mas o número tende a ser desalentador.

A leitura, ou anagnoosis, era restrita aos sacerdotes e representantes de Deus. É apenas nas cidades gregas que ler e escrever passa a ser comum. O século V A.C. é um marco para a difusão do conhecimento, já que é através da Revolução Cultural que a escrita se impõe sobre a fala, sobre a informação pautada na oralidade.

A destruição começa na Suméria, onde os livros surgem há aproximadamente 5.300 anos. Não só as escritas evoluíram com os séculos, mas também os suportes em que os livros eram impressos. No começo, eram as tabletas de argila, depois os egípcios inventaram o papiro, em seguida, o pergaminho era o material mais utilizado e, finalmente, a invenção chinesa do papel, em que são impressos até hoje.

História universal traz dados que nos fazem querer entender o porquê de os homens serem tão destrutivos e o quanto da cultura e conhecimento de todos os povos foi extinta para sempre. É aflitivo pensarmos que, apesar de todos os exemplares gregos a que temos acesso, 75% de toda a literatura, filosofia e ciência grega se perdeu.

O conhecimento sempre causou encantamento e temor nos homens, principalmente nos governantes. Foi nos livros, seu meio de difusão, que toda a admiração e ira foram concentrados, originando ações pró, como a bibliofilia de Aristóteles e dos bizantinos, e contra, na biblioclastia do imperador chinês Shi Huandi (O Destruidor) e do primeiro líder hebreu, Moisés.

O interesse em relatar essa relação dúbia que os homens possuem com os livros - tal como fizeram Richard de Bury e Terêncio Varrão - e o desejo de vingar a biblioteca de sua cidade natal fizeram com que Fernando Báez publicasse esse exemplar que foi traduzido para 12 idiomas e é hoje considerado uma referência no tema. Leitura obrigatória para os amantes de livros.