sábado, março 01, 2008

A sombra cinza dos ventos baceloneses

É na inocência de um menino de 10 anos que Carlos Ruiz Zafón nos apresenta uma Barcelona cinza, pós Guerra Civil, pós Franco, mergulhada na Segunda Guerra Mundial e que tenta, na tristeza e nas lembranças boas do passado, cicatrizar as feridas abertas nas ruas, nos rostos e corações barceloneses.

A Sombra do Vento é uma obra de uma delicadeza tamanha e de grande tato da parte de seu autor. É nos livros banidos e esquecidos que o jovem Daniel Sempere irá conhecer Julián Carax, um escritor atormentado que, tendo em seus livros um refúgio, fez transparecer sua alma e suas experiências para que aqueles a quem amou pudessem saber que apesar de sua fuga a Paris, Barcelona sempre esteve em seu coração e em seus pensamentos.

Aos poucos, o pequeno Daniel irá perguntar-se sobre aquela figura a quem tanto admira e de quem nada conhece a não ser o que apreendeu através de seu livro. Não é apenas a curiosidade que irá guiar o pequeno Sempere e sim uma afinidade e similaridade que ele não consegue entender de princípio. Seu pai, um bom livreiro da rua Santa Ana, envolto na saudade que sente da esposa que sucumbira anos antes vítima de uma doença que se tornara fatal e que ceifara de seu marido a alegria de viver, apenas garantida ao Sr. Sempere pelo seu filho.

Movido pela curiosidade, Daniel conhece Barceló e sua bela e enigmática sobrinha Clara que irão lhe revelar que aquele exemplar que prometeu proteger é o último e valioso escrito de Carax, que todos os outros vinham sendo destruídos por alguém a quem o fogo usurpava toda a vontade de permanecer vivo, tanto dele próprio quanto dos livros.

Com o passar dos anos o jovem Daniel irá conhecer o amor, o sexo e as artimanhas que um país pós-guerra esconde em suas entranhas. Surgem figuras como o inspetor Fumero, e o mendigo Fermín que irão revelar a ele a brutalidade da guerra que não se vê, da queima de arquivo e do autoritarismo franquista. E é no mendigo que as esperanças de saber mais sobre Julián se depositam, e é com a ajuda dele que o garoto Sempere irá desvendar os segredos daquela alma desconhecida e esquecida. A partir daí, sua vida nunca mais será a mesma já que ela passará a correr perigo tanto quanto a de qualquer um que se envolva no enigma Carax.

Considerado o anúncio de um fenômeno da literatura espanhola pelo La Vanguardia, A Sombra do vento já é um best-seller, contabilizando mais de 6,5 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. Porém, não se trata apenas se um sucesso editorial, mas sim um sucesso literário, já que a sensibilidade com que traça um perfil da Barcelona de 1945 é o fator-chave de sua aceitação e apreciação pelo público leitor que se cansou de narrativas comercias e ficcionais sem o mínimo de humanismo e correspondência com a realidade vivida.