terça-feira, junho 12, 2007

Não há flores na Ilha das Flores (abril/2007)

Quem começa a assistir tal documentário já é avisado pela trilha sonora e por dizeres que aparecem na tela que não se trata de um filme de ficção, que Ilha das Flores existe e que é um local “esquecido” por Deus.
Segue-se então a imagem de uma plantação de tomates. Ela é o ponto de partida da nossa jornada que acompanhará a simples trajetória de um tomate, de sua origem até seu destino final.
A linguagem utilizada na produção do documentário adquire um tom quase didático, nela são dados muitos detalhes como, por exemplo, a localização exata de Belém Novo, em Porto Alegre, com a minúcia de latitude e longitude, em segundos.
Cada ser, pessoa, animal ou vegetal tem suas características minuciosamente descrita. Tal como um raio-X, de forma pedagogo-didática como a descrição de um japonês, ressaltando suas características mais latentes e que o diferem ou assemelham aos outros seres humanos.
O narrador atem-se a descrever detalhadamente o ser humano, citando como principais características diferenciadoras dos demais animais possuir polegar opositor e um encéfalo altamente desenvolvido.
As imagens utilizadas ao mesmo tempo em que são descritivas, ou seja, ilustram a fala do narrador, também são colocadas de forma irônica, a fim de se fazer críticas implícitas, sutis. Como à bomba atômica, ao nazismo, ao consumismo, aos lixões e outros.
O lixo só será citado após o sexto minuto de documentário, e é ele que, realmente, irá nos interessar para esta análise, não o lixo em si, mas seu destino, sua “utilização”.
A Ilha das Flores, foco deste documentário, é apresentada ao espectador perto dos sete minutos de exibição: “Há poucas flores na Ilha das Flores”. Essa afirmação já nos mostra o viés que tomará a narrativa a partir de então.
Após oito minutos do filme, vai ficando cada vez mais clara a intenção do documentário, o que ele critica, e de que modo o faz usando as imagens e a narrativa ainda no estilo didático.
“Aquilo que foi considerado impróprio na alimentação dos porcos será utilizado na alimentação de mulheres e crianças”, que são seres humanos com telencéfalo altamente desenvolvido, polegar opositor e nenhum dinheiro nem “dono” (como possuem os porcos).
Nesse momento, é feita uma pausa na narração, de cerca de cinco segundos, na imagem das mulheres e crianças, sem dinheiro, contra um fundo branco. O silêncio, nesse caso, também faz o papel de crítica, chamando a atenção do espectador com a quebra da narrativa.
Mostra-se então como essas pessoas conseguem o que comer: o lixo impróprio para os porcos serve de alimento para famílias inteiras que são tratadas pior que os animais pelos trabalhadores que cuidam dos porcos.
É refeita a retrospectiva do tomate, de forma mais rápida, a fim de dar mais peso e dramaticidade à situação das pessoas da Ilha das Flores, comendo o lixo recusado pelos porcos.
Outro silêncio pára a narrativa e é a partir dos onze minutos de documentário que o narrador irá tentar explicar a situação, colocando de forma implícita a opinião de seus produtores e mostrando ao espectador a barbaridade da vida, se é que pode ser chamada assim, a que são submetidos os habitantes da Ilha das Flores.
A liberdade é citada, no fim, como se fosse um desabafo, uma forma de colocar a todos que esse conceito, como muitos outros, é relativo e sujeito à interpretação subjetiva de cada um.
Será que para aquelas mulheres e crianças a liberdade tem o mesmo valor que para nós? Será que para eles ser livre é garantia de uma boa vida? Será que essa liberdade pode ser relacionada às oportunidades ou à falta delas?
Quem achar que pode responder a tais questões ou as considera tolices, sugiro que assista ao documentário Ilha das Flores. Reserve apenas 13 minutos do seu tão valioso tempo e se proponha a refletir sobre a vida; não dos abastados milionários, mas daqueles habitantes da ilha que, sem opções, sobrevivem dos restos, dos rejeitos dos homens e dos porcos.


Ficha Técnica:

Produção Mônica Schmiedt, Giba Assis Brasil, Nôra Gulart
Fotografia Roberto Henkin, Sérgio Amon
Roteiro Jorge Furtado
Edição Giba Assis Brasil
Direção de Arte Fiapo Barth
Trilha original Geraldo Flach
Narração Paulo José

Resenha do documentário: Ilha das Flores
(www.portacurtas.com.br/ Filme.asp?Cod=647)

Um ácido e divertido retrato da mecânica da sociedade de consumo. Acompanhando a trajetória de um simples tomate, desde a plantação até ser jogado fora, o curta escancara o processo de geração de riqueza e as desigualdades que surgem no meio do caminho.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

....otima resenha....
parabens !!!!

gostei muito ... e me ajudou
muito tambem!!! ... pois tambem tenho que fazer uma resenha do ilha das flores!...

que por sinal é um otimo filme , adorei.. faz nós caimos na realidade... pois somos capacitados e temos o teléncefalo altamente desenvolvido, e um polegar opositor com movimentos de precisao para colocar um melhora em açao!

adorei... ha é continue com esse seu genio maravilhoso... escreve coisas muito boas !!!!

1:09 PM  
Blogger Unknown said...

Adorei sua resenha, é de pessoas como vc´que o mundo precisa, pessoas que sabe refletir sobre coisas tão bárbara, e quem sabe contribuir para um mundo menos desigual, parabéns!

11:28 AM  
Anonymous Anônimo said...

parabens
gostei muito das suas perguntas de reflexao me ajudou muito, no meu estudo para a prova de filosofia!!
Obrigada!!

Isabella

7:16 PM  
Anonymous Anônimo said...

Eu assisti na minha época da escola, achei tão interessante que comecei que nem piscava pra não perder um minuto, é triste a situação daquelas pessoas, tratadas piores do que animais, comendo aquele lixo que eram improprios para o consumo dos porcos, a falta de oportunidade a gente para e reflete sobre a desigualdade social, a falta de oportunidades nesse páis, enquanto isso no congresso??? Eles comem caviar a tomam vinho importado, e roubam, se preocupam e construir estádios para a copa, e não investem em empregos, educação, nas pequenas cidades, lugares que como o autor mesmo disse, foi esquecida por Deus, e tbm pelo homem e principalmente pelos nossos queridos políticos...

2:47 PM  

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